“Robert Smith mandou champanhe para o camarim!”

Meu amigo Elson Barbosa, baixista da banda Herod Layne, achou que era um trote: “Vocês não querem abrir a turnê do The Cure no Brasil?” dizia o e-mail. Pedi ao Elson para escrever um texto contando a bizarra e inesperada aventura de sua banda com o Sr. Robert Smith e cia. Aí vai o relato dele:

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“Do nada, chegou um email da produtora: ‘Retornar contato urgente referente a dois shows em abril’. ‘Essa produtora é das grandes’, pensei. ‘Deve ser engano’. Daí o surrealismo no reply – ‘Abrir shows do The Cure no RJ e SP. A Herod Layne teria interesse?’ Depois de nos certificarmos que não era trote nem algum esquema pay-to-play, acertamos tudo em três emails. O surrealismo só aumentava – O crivo teria sido do próprio Robert Smith, que faz questão de escolher pessoalmente as bandas de abertura dos shows do Cure. Não entendemos até agora como chegamos até ele, mas a festa foi maior que a dúvida.

Pegamos a van na quinta-feira de manhã (4/4), rumo ao Rio de Janeiro. O motorista era um figuraça – ex-puxador de samba do Salgueiro, sobrinho de Gérson, o Canhotinha de Ouro e compadre do Zico. No caminho esquematizamos toda a estratégia de guerrilha para otimizar os poucos minutos que teríamos de setup, sempre pensando no pior – banda de abertura é sempre a que mais sofre. Mas não – tivemos tempo razoável de passagem de som, iluminação, camarim, uma equipe nos tratando como uma banda grande. ‘Tô com a diretoria!’, dizia o motorista ao telefone.

Cerca de meia hora antes de entrarmos, Robert Smith apareceu para uma rápida visita no camarim. Cumprimentou a todos, conversou amenidades, disse que nos escolheu pelo material que ouviu e assistiu na internet, e que estava ansioso para ver nosso show. E ainda nos mandou de presente garrafas de vinho e champanhe. Dá pra desenvolver aqui – Não sei de nenhuma outra banda do porte do The Cure que faça algo próximo disso. Que se preocupe em se aproximar de bandas pequenas, apoiar, ceder espaços, ser cordial e gentil. Ele não precisa fazer isso. Faz porque quer, porque gosta, porque sabe o quanto o aval dele muda toda uma história.

Em São Paulo, no sábado (6/4), a história foi semelhante. Uma mega-estrutura de palco digna de um festival, toda uma equipe de prontidão para nos ajudar. Durante a nossa passagem de som, Robert Smith tirou uns minutos para visitar o camarim da Lautmusik, banda de Porto Alegre que abriria a noite, também escolhida por ele. Soubemos que a cordialidade foi a mesma, sobrando vinho e champanhe também para o nosso camarim. O brinde com as duas bandas juntas foi um dos pontos altos da noite.

Sobre os shows, causamos a reação que esperávamos – Apatia vencida por nocaute. Até pensamos em facilitar para o público do Cure, pegando um pouco mais leve. Mas quando divulgamos o show, todos os amigos da banda e do nosso selo Sinewave demandavam por barulho. Isso nos fez mudar de ideia e escolher o set mais barulhento possível. Perderíamos o fã de ‘Boys Don’t Cry’, mas a diversão seria certa. Funcionou – Amigos comentaram que viram mãos no público rejeitando a banda nas partes calmas, e diversos punhos cerrados nas partes pesadas. No Twitter e Facebook, reações indo de ‘porcaria’ a ‘puta banda fodida’. Noise era o caminho, afinal.

Já o The Cure no palco é outra história. Mandaram uma quantidade impressionante de hits, abrindo espaço para testar os fãs menos hardcore com faixas desconhecidas de álbuns mais recentes. A voz de Robert Smith continua impecável, e Simon Gallup parece ter uns 20 anos a menos,  tamanha a energia no palco. São poucas bandas que sobem até esse patamar. ‘Shake Dog Shake’, ‘One Hundred Years’ e ‘The Kiss’ foram matadoras.

Ao final do show do Cure, fomos até o camarim deles para agradecer por tudo. Trocamos ideia com Simon Gallup e com o próprio Robert Smith. Com uma atenção fora do comum, pediu instruções de como fazer uma caipirinha com a cachaça que mandamos de presente. Nosso guitarrista, um moleque mais novo que o ‘Disintegration’ (LP do The Cure, lançado em 1989), chorava diante do ídolo, recebendo um abraço apertado de despedida. Não tem como Robert Smith ser mais cool que isso.”

© André Barcinski