Com carta, Marina Person convenceu The Cure a liberar música “proibida”

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Marina Person era daquelas adolescentes fanáticas por rock que não só colecionava os vinis das bandas favoritas, como também os livros relacionados a elas. Foi por causa de “Killing an Arab”, primeiro single do The Cure, que ela quis ler a obra que inspirou a faixa, “O Estrangeiro”, de Albert Camus.

Estreando na direção de um longa de ficção, Marina queria que essa história fizesse parte de “Califórnia”, filme que chega aos cinemas. Só não seria fácil convencer o dono da música, Robert Smith, a liberá-la, já que nada deu a ele tanta dor de cabeça. Em quase 40 anos, a faixa foi diversas vezes usada com propósitos xenofóbicos, levando o músico a proibir sistematicamente seu uso.

A cineasta teve que convencer Smith de que a música não seria usada apenas para ilustrar uma cena, mas que faria parte da narrativa. Em “Califórnia”, Estela (Clara Gallo) é uma adolescente que tem que lidar com os dilemas da sua idade e com a chegada de um tio com HIV. Em meio à turbulência, ela conhece JM (Caio Horowicz), um jovem gótico que primeiro lhe empresta o livro “O Estrangeiro” e depois lhe apresenta a canção.

“Foi uma luta para fazer o cara [Robert Smith] entender. Em princípio, ele não queria que eu usasse porque não gosta de divulgar essa música. E em geral, você não consegue falar com essas pessoas. Vem um ‘não’ e você não entende. Pedi o e-mail dele para a gravadora e não me deram, mas a pessoa me garantiu que se eu fizesse uma carta, ela chegaria até ele. E foi o que eu fiz”, conta a cineasta. O músico britânico finalmente entendeu e, segundo Marina, “foi muito legal, muito aberto”.

Marina diz ter suado para compor a trilha inteira do filme, com sete músicas brasileiras e oito estrangeiras. Além de The Cure, ela selecionou trabalhos de David Bowie, Echo & the Bunnymen, Joy Division, Titãs, Metrô e outros.

“Cada música era de fato muito importante. A música me inspirou muito a fazer esse filme. Sempre gostei de música e de cinema, a minha vida inteira. Como se passa nos anos 1980 e eu não tinha milhões e milhões de dólares para fazer reconstituição de ambiente e rua, a música é uma maneira de você levar o ambiente para aquela época”, explica.

A polêmica de “Killing an Arab”

Lançada em 1978, a música é um poema do momento-chave da obra de Camus, em que o protagonista, o franco-argelino Mersault, mata um árabe e não sente qualquer remorso. Existencialista, Camus divaga no livro sobre a ideia de que não há sentido a ser encontrado na vida além do que damos a ela. A profundidade por trás da composição, no entanto, não impediu que ela fosse usada como hino de ira contra o povo árabe.

De acordo com a revista britânica “Q”, um grupo racista, apoiador do partido britânico de ultra-direita National Front, foi expulso de um show do The Cure em Londres, em 1979, depois de dizer que a música era seu hino. Em 1986, quando foi lançada a primeira compilação dos singles da banda, “Standing on the Beach”, um grupo de atletas americanos de ultra-direita passou a disseminar a música, também com intenções xenofóbicas, nas rádios de faculdades, incluindo Princeton e a Universidade de Michigan.

Após denúncias do Comitê Árabe-Americano Anti-Discriminação (ADC), o The Cure solicitou que as estações de rádio parassem de reproduzir “Killing an Arab” e outras cópias do álbum foram produzidas com adesivos que declaravam: “A canção ‘Killing an Arab’ não tem absolutamente nenhuma conotação racista. É uma canção que descreve a existência de todos os preconceitos e a consequente violência. The Cure condena seu uso na promoção de sentimentos anti-árabes”.

As críticas à música voltaram no início dos anos 1990, durante a Guerra do Golfo e nos ataques de 11 de setembro de 2001. A banda só foi ressuscitar a faixa em 2005, ao tocá-la em uma série de shows pela Europa. A letra, no entanto, foi modificada para “kissing an Arab” (beijando um árabe), “killing another” (matando outro), “killing an Englishman” (matando um inglês) e até “killing Kevin Keegan” (matando Kevin Keegan), um grande jogador inglês da época, ídolo de Smith e que, a propósito, está vivo.

Ao falar da polêmica, Smith uma vez brincou que a música era dedicada aos árabes ricos que iam às festas de Crawley (subúrbio de Londres) para pegar garotas. Mas, em geral, falava sério. “Não é um chamado para matar árabes. Apenas um personagem do livro que matou um árabe, mas podia ter sido um escandinavo ou inglês. O fato de ele ter assassinado um árabe não teve nada a ver com isso”.

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