Esses dias estava conversando com uma amiga quando entramos numa discussão sobre se a ignorância é ou não uma benção e se é melhor viver uma alegria ignorante e confortável a estar conscientemente triste.
Quem não acredita nesse negócio de que conhecimento demais pode causar um abatimento existencial sobre alguém simplesmente ignora a quantidade de sábios depressivos e melancólicos que vemos por aí, principalmente quando estes são músicos – impossível não pensar no Every day is like Sunday do Morrissey, no Love will tear us apart do Ian Curtis, ou, para deixar ainda mais claro, no Creep do Thom Yorke, e mais uns tantos outros outcasts por aí-.
Mas, ao menos no caso deles, essa melancolia pode ser sublimada e transformada em uma bela letra ou melodia, daquelas que perduram por muito tempo. Outro cara que tem um talento invejável pra fazer isso é o Robert Smith, aquele branquelo de cabelo estranho Edward-Mãos-de-Tesoura-like que é vocalista do The Cure e tocou em São Paulo e no Rio nessa semana que passou.
Smith sempre foi muito ligado em literatura e se utilizou disso como ninguém para compor as famosas letras da banda. A música Birdmad Girl, por exemplo, foi inspirada em um poema de Dylan Thomas que fala sobre uma garota maluca como os pássaros (coincidência? Não mesmo).
Mas apenas quando vai morar em Paris que ele entra em contato com a literatura francesa e, então, conhece o poeta maldito e simbolista Charles Baudelaire, com quem ele se identifica por seu caráter ora romântico sonhador, ora desiludido com a vida. Falando de temas como o vazio existencial e a incompreensão da sociedade (que possivelmente foram intensificados por uma considerável utilização de álcool e drogas) o compositor foi inspirado a fazer a não-tão-conhecida How Beautiful You Are; afinal, nem tudo na vida dele eram sextas-feiras apaixonadas.
Com o título e a temática retirados do poema Os Olhos dos Pobres que pertence ao livro Pequenos Poemas em Prosa, ela fala sobre a decepção de um homem quando descobre a arrogância e vaidade na mulher que amava. A influência do poema é tão perceptível que Smith transcreve versos igualmente, com a única diferença de serem em inglês. Mas, para que vocês sintam a beleza dessa relação da devida maneira, é preciso que a analisem por si próprios, por isso deixo aqui a música e o poema.
A verdade é que quando um artista resolve se apropriar, de maneira correta –entenda-se por “da maneira correta” não plágio, mas sim tomar como inspiração-, da obra de outro, normalmente somos presenteados com um resultado indelével se ao menos uma das partes dessa relação é a música, como acontece com essas raras composições que constantemente são regravadas por novos artistas e conseguem ultrapassar qualquer barreira de tempo e espaço.
Nesses casos, percebemos como o conhecimento e o referencial cultural são, na verdade, uma benção na hora de produzir arte, seja ela qual for: carregadora de uma idiota felicidade ou dessa consciente melancolia.
A ignorância é um lugar quentinho e confortável, cabe a cada um saber se vale a pena abrir mão dela ou não.
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